Monday, February 5, 2018

Tratando a acondroplasia: TransCon CNP mostrou resultados positivos em testes pré-clínicos

Introdução

Os dezessete leitores deste blog talvez pensem que este pequeno artigo não será difícil de entender, mas existe uma chance de que algum passante curioso ache este texto um pouco complicado de digerir. Sem problemas! Temos revisado estes assuntos há um bom tempo e existem artigos introdutórios sobre tudo escrito aqui que podem tornar mais fácil para todos embarcarem nessa jornada. :) Então, para uma introdução amigável ao peptídeo natriurético tipo C (CNP), visite este artigo!

CNP e crescimento ósseo 

O CNP tem sido identificado como um importante regulador do crescimento ósseo (1). O CNP exerce suas ações modulando parcialmente as atividades do receptor do fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3) (Figura 1). A evidência que aponta para a relevância do CNP no crescimento ósseo é dada por estudos que mostram que os indivíduos que apresentam mutações incapacitantes tanto no CNP quanto no receptor de peptídeo natriurético B (NPRB) da membrana celular dos condrócitos apresentam comprometimento grave do desenvolvimento ósseo (2,3). Por outro lado, as mutações que tornam o NPRB hiperativo levam ao crescimento excessivo do osso (4).

O crescimento excessivo também é visto em mutações que desabilitam outro receptor natriurético presente nos condrócitos da cartilagem de crescimento, denominado NPRC. Pensa-se que o NPRC é responsável por capturar o CNP circulante (um mecanismo de limpeza, como um zelador), regulando a atividade do CNP. Quando o NPRC não está funcionando, mais CNP fica disponível para interagir e ativar o NPRB, o que, por sua vez, leva ao crescimento excessivo (4). Esta é a primeira vez que menciono o NPRC neste contexto e não estou fazendo isso sem um motivo. Recentemente, descobri que há pelo menos um grupo explorando se é possível bloquear o NPRC para "ajudar" os análogos do CNP, como vosoritide, dando-lhes mais tempo para realizar seu trabalho na placa de crescimento (no entanto, vamos falar sobre isso em outro artigo).

Figura 1. Interação da sinalização do FGFR3 e do CNP.


Como dissemos, o CNP é um peptídeo ativo que promove crescimento ósseo, limitando a ação do FGFR3. Como mutações no FGFR3 são a causa da acondroplasia e outras displasias ósseas relacionadas, é natural pensar que o CNP poderia ser usado para tratar a acondroplasia. No entanto, como acontece com muitos peptídeos ativos naturais produzidos por nosso corpo, o CNP fica ativo por tempo muito curto (~ 2 minutos!) e é facilmente eliminado do sangue por agentes neutralizantes (enzimas) (1). Dada essa limitação, como se poderia demonstrar que o CNP poderia ser usado como terapia para condições de restrição de crescimento ósseo como a acondroplasia? 

Com esta questão em mente, o grupo japonês liderado pelo Dr. Kasua Nakao criou um modelo de acondroplasia em que promoviam a produção contínua de CNP, o que não só resgatou a parada do crescimento ósseo causada pela mutação da acondroplasia, mas também levou a uma situação de crescimento excessivo (5). Eles também exploraram o uso de infusão contínua de CNP, com resultados semelhantes (6). O problema com seus modelos é que eles não seriam reproduzíveis em contextos clínicos. Portanto, como a administração contínua de CNP não seria viável, os pesquisadores começaram a explorar como dar mais tempo ao CNP para alcançar e atuar na placa de crescimento.

Desenvolvendo análogos do CNP 


O CNP pertence a uma família composta por três peptídeos principais e outras moléculas intimamente relacionadas. Um desses peptídeos, o peptídeo natriurético cerebral (BNP), é naturalmente mais resistente às enzimas que neutralizam facilmente o CNP. Com base nesse conhecimento, os pesquisadores criaram uma molécula baseada no CNP, agora chamada de vosoritide, que contém a estrutura que permite ao BNP resistir mais tempo à degradação (7 ). O vosoritide pode ser rastreado no sangue por cerca de 20 minutos, tempo suficiente para atingir a placa de crescimento e promover crescimento ósseo, como visto tanto na pesquisa pré-clínica (8) quanto nos estudos clínicos em andamento (9). 

Outras opções

Em Ciência, explorar caminhos diferentes e fazer mais perguntas sempre leva a algo novo. O vosoritide precisa ser administrado como uma injeção subcutânea todos os dias para produzir seus efeitos. O que aconteceria se pudéssemos dar ao CNP ainda mais tempo para trabalhar na placa de crescimento?Esta questão foi abordada há alguns anos pela empresa de biotecnologia Alexion, que desenvolveu o NC-2 (você pode visitar o artigo do blog que analisa esta molécula em 2014 aqui). Esta molécula é a fusão da parte ativa do CNP com a parte básica da estrutura dos anticorpos (veja o artigo do blog!), o que confere resistência impressionante às enzimas neutralizantes. O NC-2 foi explorado em um interessante estudo em que os pesquisadores o utilizaram para inibir exatamente a mesma cascata de sinalização usada pelo FGFR3 para exercer suas ações no condrócito (10). No entanto, esta molécula parece ter sido abandonada e nenhuma pesquisa adicional foi publicada (até onde sei). 

A Ascendis Pharma desenvolve um sistema de transporte de drogas que permite que moléculas frágeis tenham ação mais longa no corpo. Este é o caso deste recém-descrito análogo do CNP chamado de TransCon CNP. Não temos uma descrição completa do TransCon CNP (como por exemplo, publicada em uma revista científica), mas o desenvolvedor o descreve como uma molécula que envolve o CNP protegendo-o da degradação enzimática. Eles publicaram uma série de resumos descrevendo seus estudos pré-clínicos, os quais resumiremos aqui. Um aspecto importante deste novo análogo é que ele poderia ser administrado uma vez por semana.

Resultados pré-clínicos com o TransCon CNP 

Em 2017, o desenvolvedor apresentou alguns resumos/pôsteres em reuniões científicas, dois deles que resumem os estudos pré-clínicos são acessíveis diretamente do site aqui e aqui.

Eles descrevem a tecnologia TransCon como um transportador (um táxi) para moléculas que de outra forma seriam rapidamente metabolizadas no sangue (Figura 2) antes de poderem exercer suas ações com eficiência. Com base em seus textos, tanto em seu site como nos resumos publicados, creio que o segredo principal sobre sua molécula não é o próprio a molécula ativa (ex.: CNP), mas a ligação entre o transportador e a molécula transportada (Figura 2). O transportador poderia ser uma camada de polietileno glicol (PEG), um polímero bastante usado para prolongar a meia-vida de muitas drogas, como o interferon (usado para o tratamento da hepatite C) e vários compostos anticancerígenos. Para os interessados ​​em mais informações sobre transportadores ou transportadores, revisei esse tópico em 2012, neste artigo. 


Figura 2. Conceito do TransCon CNP.


de: Sprogøe K et al. Poster apresentado na 67ª Reunião Anual da Sociedade Americana de Genética Humana (ASHG), de 17 a 21 de outubro de 2017 (Orlando, FL). Site da Ascendis Pharma.

Principais resultados:
  • TransCon CNP foi testado em macacos cynomolgus e confirmou ter uma meia-vida de cerca de 79hs (o que permite teoricamente uma dose semanal); 

  • TransCon CNP foi comparado com vosoritide e o CNP original para efeitos na circulação e não provocou queda da pressão arterial;
  • TransCon CNP mostrou efeitos positivos tanto em um modelo murino de acondroplasia (Figura 3) quanto em macacos cynomolgus normais.

Figura 3. Efeitos do TransCon CNP em um modelo de camundongo de acondroplasia.


de: Breinholt VM et al. Poster apresentado no American Society for Bone and Mineral Research (ASBMR) 2017 meeting, de 8 a 11 de setembro (Denver, CO). Site da Ascendis Pharma.


Com base nesses resultados, o desenvolvedor declarou sua intenção de iniciar estudos clínicos com o TransCon CNP em breve, começando pela solicitação de autorização pelas agências reguladoras. 

Conclusão

Se esta nova formulação do CNP funcionará depende dos resultados provenientes de ensaios clínicos. Os resultados preliminares até agora são promissores. Se for provado que é tão efetivo quanto o vosoritide mostrou ser, ter uma liberação e presença mais sustentada na placa de crescimento, menos efeitos hemodinâmicos e posologia mais confortável (uma vez por semana), tornam esta nova versão do CNP uma forte potencial opção no arsenal terapêutico para a acondroplasia e outras displasias esqueléticas. 

Referências   

1. Pejchalova K et al. C-natriuretic peptide: An important regulator of cartilage. Mol Genet Metab 2007;92(3):210-5. 

2. Hisado-Oliva A et al. Mutations in C-natriuretic peptide (NPPC): a novel cause of
autosomal dominant short stature. Genet Med 2018;20(1):91-7.
 

3. Wang W et al. Acromesomelic dysplasia, type maroteaux caused by novel loss-of-function mutations of the NPR2 gene: Three case reports. Am J Med Genet A 2016;170A(2):426-34.

4. Matsukawa N et al. The natriuretic peptide clearance receptor locally modulates the physiological effects of the natriuretic peptide system. Proc Natl Acad Sci USA 1999; 96: 7403–8. Free access. 

5. Kake T et al. Chronically elevated plasma C-type natriuretic peptide level stimulates skeletal growth in transgenic mice. Am J Physiol Endocrinol Metab 2009;297(6):E1339-48.

6. Yasoda A et al. Systemic administration of C-type natriuretic peptide as a novel therapeutic strategy for skeletal dysplasias. Endocrinology 2009;150(7):3138-44. Free access.

7. Wendt DJ et al. Neutral endopeptidase-resistant C-type natriuretic peptide variant represents a new therapeutic approach for treatment of fibroblast growth factor receptor 3-related dwarfism.J Pharmacol Exp Ther 2015;353(1):132-49. Free access.

8. Lorget F et al. Evaluation of the therapeutic potential of a CNP analog in a Fgfr3 mouse model recapitulating achondroplasia. Am J Hum Genet 2012;91(6):1108-14. Free access.

9. Hoover-Fong M et al.Vosoritide in children with achondroplasia: Updated results from an ongoing Phase 2, open-label, sequential cohort, dose-escalation study. Presented at the American Society of Human Genetics 2016 Meeting. Abstract Book p.1301: 2347W. Free access. 

10. Ono K et al. The ras-GTPase activity of neurofibromin restrains ERK-dependent FGFR signaling during endochondral bone formation. Hum Mol Genet 2013;22(15):3048-62. 

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