Wednesday, January 2, 2013

Tratando a acondroplasia: conceitos e preconceitos sobre as potenciais terapias em desenvolvimento


A primeira potencial terapia para o tratamento do comprometimento do crescimento ósseo na acondroplasia, o análogo do peptídeo natriurético tipo C (CNP) BMN-111, entrou na fase de desenvolvimento clínico.

Surpreendentemente, ao contrário do que aconteceu com outras condições genéticas, onde há também deficiência de crescimento e terapias disponíveis, há um debate contínuo nas comunidades interessadas sobre o conceito de tratar a acondroplasia. Muitas perguntas são bastante relevantes, outras, apesar de expressarem preocupações genuínas e valiosas, vem envolvidas em ideias equivocadas.

Um desses enganos é sobre o que são essas novas potenciais terapias sob investigação para acondroplasia. O objetivo aqui é falar sobre uma ideia comum em relação a essas novas perspectivas: podem essas ​conhecidas ​possíveis estratégias terapêuticas curar a acondroplasia?

Para buscar uma resposta a esta questão, precisamos entender o que é a acondroplasia.

Acondroplasia é o resultado da presença de uma molécula errada em uma sequência de um gene

Cada uma das proteínas que nossas células produzem é codificada (tem o manual de instruções para sua produção armazenado) no DNA. O DNA é uma cadeia longa feita de uma combinação de quatro moléculas chamadas nucleotídeos: adenina, timina, citosina e guanina (A, T, C e G). Dentro do DNA, algumas combinações de nucleotídeos na cadeia irão compor genes, enquanto outras vão dar origem a outras importantes moléculas regulatórias. Pense no DNA como um cofre de armazenamento de informações muito importantes.

Você deve lembrar que as proteínas são também formadas por um outro tipo de cadeia, feita de aminoácidos. Revimos este tema aqui. Você deve lembrar também que quando uma célula precisa produzir uma proteína para responder, digamos, a um estímulo externo, ela vai iniciar uma reação química que vai fazer o seu núcleo produzir essa proteína, a partir da “abertura” do DNA, o cofre onde o gene está "guardado". O gene será "lido" e "transcrito" (transcrição) em uma molécula de RNA e, em seguida, este RNA será "traduzido" (tradução/translação) para a proteína necessária. No gene, os nucleotídeos são numerados de acordo com sua posição na cadeia. Uma determinada combinação de três nucleotídeos em um gene corresponde a um aminoácido específico na proteína. Essas combinações são chamadas de códons e você pode encontrar uma boa tabela mostrando todas as combinações de códons neste artigo da Wikipedia. Na cadeia da proteína, os aminoácidos também recebem um número de acordo com sua posição na cadeia.

A função ou funções de uma proteína específica serão determinadas por suas propriedades químicas as quais, por sua vez, são consequências das combinações de aminoácidos na sua estrutura. Cada aminoácido tem diferentes propriedades elétricas, por isso um aminoácido erradamente introduzido na cadeia da proteína ao invés do correto pode alterar a conformação da proteína inteira e / ou sua função. Isto é exatamente o que acontece na acondroplasia.

Aprendemos que a mutação mais comum na acondroplasia é muitas vezes chamada de G380R. Isto significa que, na posição 380 da cadeia da proteína receptor do fator de crescimento fibroblasto tipo 3 (FGFR3), um aminoácido chamado arginina foi posto no lugar de um outro chamado glicina (tente ver a cadeia como se fosse uma sequência de blocos de lego, cada bloco com cores ou formas distintas). Ao checarmos, no gene FGFR3, a posição do codón responsável pelo aminoácido 380, vemos que, nesse codón, que deveria ser GGA ou GGG para codificar glicina, o primeiro G na posição 1138 foi substituído por um A, resultando em um destes dois codóns: AGA ou AGG, ambos codificando arginina. É por isso que a outra maneira de citar a mutação do FGFR3 na acondroplasia é G1138A. Além disso, em casos mais raros na acondroplasia, quando existe um C no lugar do G (G1138C), também encontraremos arginina em lugar da glicina (veja a tabela mencionada acima), causando as mesmas consequências clínicas.

Figura. FGFR3 na acondroplasia




Em resumo, na acondroplasia há um erro químico na estrutura do gene FGFR3 (no DNA), que altera a produção da proteína FGFR3, levando a uma alteração da sua conformação, que por sua vez faz com que fique excessivamente ativa. Como o FGFR3 é um controlador negativo do crescimento do osso, sua superatividade provoca comprometimento do crescimento do osso. Você pode aprender mais sobre a genética da acondroplasia lendo este artigo do grupo do Dr. William Wilcox (Foldynova-Trantirkova S. et al. 2012, em inglês).

Como funcionam as conhecidas potenciais terapias?

Embora já seja possível substituir ou desligar um gene defeituoso no laboratório, que eu saiba, não há nenhum estudo publicado até o momento que tenha verificado se essa estratégia funcionaria em um modelo animal vivo de acondroplasia. Todas as terapias atuais conhecidas em diversos estágios de desenvolvimento pré-clínico e clínico são direcionadas para a atividade da proteína FGFR3 ou para neutralizar seus efeitos ativando outros controladores positivos do crescimento ósseo. Elas não são projetadas para alterar o código genético. Isto inclui todas as estratégias que estamos discutindo neste blog, como o CNP, hormônio da paratireóide, peptídeos, aptâmeros e anticorpos. Outras, tais como a MK-4, os siRNAs (RNAs de interferência) e, novamente, os aptâmeros, são dirigidos para a interferir na expressão do gene FGFR3, não alteram o código genético em si. Em outras palavras, estas estratégias afetam a transcrição e / ou a translação do gene. Os links acima o levarão a artigos anteriores deste blog, onde você pode encontrar mais informações sobre essas estratégias. Você também pode visitar a página de Referências do blog, onde você  encontrará estudos científicos sobre essas abordagens, com acesso livre.

Em resumo, nenhuma potencial terapia atualmente disponível para a acondroplasia iria mudar o DNA de um indivíduo afetado. Uma pessoa com acondroplasia permanecerá com acondroplasia, pois esses tratamentos não podem curar a desordem genética, apenas abordarão suas principais consequências.

Para enfatizar, atuais terapias potenciais, como o BMN-111, não vão curar a acondroplasia. No entanto, poderão ajudar a melhorar as muitas consequências clínicas geralmente vistas em indivíduos afetados e, possivelmente, resultarão em um melhor crescimento dos ossos e, consequentemente, em uma altura final maior no adulto, o que é muito bom também.

Finalmente, como essas novas terapias potenciais não são direcionadas para alterar o código genético de qualquer pessoa, não deveria haver qualquer preocupação sobre elas fazerem parte de uma estratégia para eliminar a diversidade genética humana, um pensamento comum que tem sido expresso entre as pessoas que questionam esses tratamentos. Estes novos potenciais tratamentos devem ser entendidos como o são quaisquer outras terapias disponíveis para condições crônicas que também afetam o crescimento. Um excelente exemplo é o hipopituitarismo genético (também causado por mutações de troca simples em um ou mais genes), que pode causar deficiência de hormônio de crescimento (GH). Já existe um tratamento para a deficiência de GH e ninguém no mundo iria dizer que uma criança tendo esta condição não deveria ser tratada por causa da questão da diversidade genética.

O verdadeiro desafio principal por vir

Parece que terapias para acondroplasia podem se tornar amplamente disponíveis em um futuro próximo (3-5 a 10 anos, pensando em todas atualmente sob investigação). Agora é a hora perfeita não para discutir sobre se as crianças afetadas devem ser tratadas ou não. Devido à prevalência relativamente baixa da acondroplasia e da hipocondroplasia, pode-se estimar que qualquer terapia para essas condições será cara: basta olhar para outras condições genéticas ou raras com prevalência semelhante. Portanto, nos próximos anos, o principal desafio dos pais e grupos de defesa será como garantir o acesso a esses tratamentos para todas as crianças que poderiam se beneficiar com seu uso. Já deveríamos estar nos preparando para a batalha.

N.A.:  alguns dos links neste artigo levam o leitor a páginas em inglês pois não foram encontrados boas fontes de referência para os respectivos temas em português.

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