Tuesday, January 17, 2012

Reduzindo a influência do FGFR3 na acondroplasia, parte 3


Câncer é a área terapêutica na qual a indústria farmacêutica tem investido mais recursos para encontrar novos tratamentos (veja aqui). Existem várias razões para isso incluindo o fato de que o câncer está se tornando mais comum como consequência do envelhecimento progressivo da população mundial.

O que câncer tem a ver com acondroplasia ?

O câncer tem muitas facetas e novas medicações para combater esta doença (ou doenças) desafiadora estão sendo desenhadas agora para bloquear os mecanismos pelos quais as células cancerosas se tornam capazes de sobreviver, se multiplicar e se espalhar pelo corpo (metastatizar). Não é surpresa descobrir que os mecanismos usados pelas células cancerosas são os mesmos das células normais, mas em uma intensidade desproporcional.

Por exemplo, as células cancerosas se aproveitam das propriedades funcionais das enzimas receptoras celulares tais como o receptor de fator de crescimento de fibroblasto do tipo 3 (FGFR3). Como você pode recordar, a atividade excessiva do FGFR3 reduz o ritmo de proliferação (multiplicação) e de diferenciação ou hipertrofia (maturação) do condrócito, o que por sua vez leva à parada do crescimento do osso. Em alguns tipos de câncer, tais como o mieloma múltiplo e o câncer de bexiga, a ativação do FGFR3 provoca exatamente o efeito oposto: as células doentes se multiplicam livremente e o câncer cresce sem parar.

Saber como enzimas, tais como o FGFR3, são utilizadas pelo câncer faz delas alvos naturais para novas terapias. Neste sentido, a acondroplasia tem se beneficiado bastante com a pesquisa contra o câncer.

Vamos começar a olhar para reações químicas celulares aqui e o texto poderá não ser exatamente como o de uma receita de bolo de chocolate. Por isso, andaremos passo a passo e eu vou tentar ilustrar o melhor possível para torná-lo mais fácil para o leitor.

Já aprendemos que podemos bloquear o FGFR3 fora da célula com anticorpos ou aptâmeros (veja os artigos anteriores). Também podemos inibir o FGFR3 no interior da célula. Na última década, resultantes do aumento do conhecimento da maquinaria celular, surgiram os inibidores de tirosina quinase (TKI), uma grande classe de drogas que bloqueiam a ativação de enzimas receptoras no interior das células.

Os inibidores de tirosina quinase 

Diversos TKIs já estão sendo utilizados no tratamento de muitos tipos de câncer. Eles agem impedindo o fenômeno que inicia a cascata de sinalização da enzima depois que um ativador do receptor se liga a ele, fora da célula. Tomando como exemplo o FGFR3, já vimos isso: o FGFR3 é “ligado” quando um ativador (um ligante, um FGF) se liga ao seu domínio extracelular. O receptor atrai outro FGFR3 e eles formam um casal (um dímero). O dímero modifica seu corpo conjugado, provocando a exposição dos chamados bolsos de adenosina trifosfato (ATP) na parte intracelular de ambos os receptores, que são como tomadas elétricas. Esses plugues elétricos atraem as moléculas de ATP. Pense nos ATPs como baterias capazes de transferir energia através de cabos em um carro. No caso dos ATPs, esta transferência de energia é realizada pelo deslocamento de átomos carregados (íons). A chegada e o acoplamento dos ATPs com fosfatos carregados aos bolsos de ATP, o que nós denominamos fosforilação, vai atrair outras proteínas nas proximidades, uma após a outra, produzindo a cascata de reações químicas que, no final, irá estimular o núcleo da célula para a produção de novas proteínas ou inibir a produção de outras, ou irá estimular ou bloquear a capacidade da célula para se multiplicar.

O evento descrito aqui não é exclusivo do FGFR3: os outros FGFRs e muitas outras enzimas receptoras fazem o mesmo para transmitir seus sinais ao núcleo. Este é um conceito importante porque representa um dos grandes desafios para encontrar o bloqueador de TKI certo para o FGFR3. Este link irá levá-lo a uma animação que mostra a cascata de sinalização do receptor de fator de crescimento epidérmico (EFGR), que é uma enzima receptora que trabalha de um modo similar ao do FGFR3 (você vai precisar assistir apenas aos dois primeiros minutos da animação).

TKI são pequenas moléculas desenhadas para se ligar e “fechar” os bolsos de ATP nos domínios intracelulares das enzimas receptoras. Eles funcionam como aquelas capas que usamos nas tomadas para proteger as crianças de choques elétricos (figura).


  
Antes de continuarmos, convido você a seguir este link, que o levará a uma animação que mostra o mecanismo de ação do lapatinibe, um TKI desenhado para bloquear o EGFR. Isto é apenas para fins de ilustração da ação de um TKI e não se destina de modo algum a promover a droga.

A ideia é simples: com os bolsos de ATP fechados, os ATPs não podem transferir fosfatos e a cascata de sinalização não inicia. Parece uma solução atraente. As moléculas de TKI são pequenas e eficazes, então qual é o problema?

Os bolsos de ATP apresentam grande homologia (têm estruturas semelhantes) na maioria das enzimas receptoras, então a chance é grande de que um TKI em particular irá bloquear várias enzimas distintas pertencentes à famílias diferentes. Esta é a realidade. Já existe um bom número de inibidores de FGFR desenvolvidos (veja uma lista pequena e parcial abaixo). Você percebe que eu não coloquei um número após o acrônimo da enzima. Isto significa que é muito provável que um TKI desenhado para bloquear um dos FGFRs irá muito provavelmente bloquear todos os outros, também, dada a semelhança que compartilham. Na verdade, os primeiros TKI desenvolvidos bloqueiam um grande número de enzimas distintas. Os mais recentes são mais específicos, como resultado do melhor entendimento das interações químicas entre as moléculas e também com o lançamento de programas mais sofisticados de design de moléculas. 

TKIs anti-FGFR disponíveis:
  • PD173074
  • PD106067
  • TKI258 (dovitinib)
  • Brivanib
Uma questão que naturalmente ocorre a alguém que pensa no tratamento da acondroplasia: TKIs alcançam a placa de crescimento? A resposta é sim. Por exemplo, testes feitos com o PD176067 mostraram aumento em ambas as zonas proliferativa e hipertrófica da placa de crescimento cartilaginosa, um efeito que foi considerado uma reação direta ao composto testado.

Os TKIs listados acima bloqueiam o FGFR3, mas também os outros FGFRs e / ou enzimas das famílias PDGFR (receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas) e VEGFR (receptor do fator de crescimento endotelial vascular). Este link leva você a uma recente revisão técnica sobre a inibição dos FGFRs em câncer.

Recentemente, trabalhos com dois novos inibidores do FGFR3 foram publicados: o NF449 e o A31. Ambos parecem mostrar atividade mais específica contra o FGFR3 do que outros compostos predecessores. Se os testes pré-clínicos continuarem a trazer resultados positivos, uma molécula como a A31 poderia chegar à fase clínica em três a cinco anos.

Em resumo, inibidores da tirosina quinase apresentam várias evidentes características positivas:

• São pequenos
• Alcançam a placa de crescimento
• Podem ser administrados por via oral
• Estão se tornando mais e mais específicos (na acondroplasia, eles têm que ser)

TKIs são uma opção promissora para o tratamento da acondroplasia. É necessário redobrar os esforços para aumentar a velocidade da pesquisa para o desenvolvimento desses compostos mais específicos.

No próximo artigo, vamos continuar nossa jornada no interior do condrócito. Ainda temos outras opções em termos de bloqueio da sinalização do FGFR3. 

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